Quando lembro do meu pai, lembro das noites em que
a luz era tão fraca que nem mesmo os transformadores conseguiam segurar e a
gente se reunia no quintal com toda a vizinhança para ouvir os “causos” que
ele contava, lembro da sua mão fechada dando cocorote na nossa cabeça quando
estava bravo com alguma besteira que fizemos, e lembro dessa mesma mão forte e
calejada de homem trabalhador da construção civil, mas ao mesmo tempo tão
macias e suaves, acarinhado minha cabeça.
Meu pai foi meu professor particular de matemática.
Com ele eu aprendi divisão, subtração e prova real que na escola não entrava na
minha cabeça de jeito nenhum. Além de saber muito de matemática ele também era
mestre na edificação de casas. Ninguém colocava um tijolo
melhor e mais reto que ele, mas também, se o cliente não
pagasse, com a mesma habilidade que ergueu a parede ele a derrubava.
Quando éramos crianças e, às vezes não tínhamos
nada para comer meu pai saía de casa a procura de um bico e sempre aparecia
alguma coisa para ele: fosse uma torneira para consertar, um serviço elétrico
ou hidráulico ou até um ferro velho pra vender. Ele sempre voltava com sacolas
de compra e fazia questão de trazer um pacote de pão de mel ou um biscoito para
agradar a mim e meus irmãos.
Eu lembro também que quando minha mãe ia pentear
meu cabelo eu chorava e gritava “ai meu cabelo, ai meu cabelo” e meu pai sempre
vinha em minha defesa. Hoje, quando vou pentear o cabelo da minha filha e ela
diz “ai meu cabelo, ai meu cabelo” (eu devo ser igual minha mãe pra pentear o
cabelo sei lá, mão pesada ou bruta...) o pai da minha filha não vem defendê-la;
ou quando eu, abusada como todo filho caçula é, irritava meus irmãos e fugia e
meu pai vinha em meu socorro, e, muitas das vezes, eles é que eram
punidos.
E conversar? meu pai adorava conversar e uma
particularidade dele era cutucar-nos enquanto conversava para ter certeza que
estava sendo ouvido. Se ele encontrasse um conhecido, se alguém fosse na casa
dele ou chegasse na beira da cerca e lhe desse atenção era envolvido em uma
longa conversa esquecendo-se do tempo.
Meu pai era um homem temente a Deus. Eu sempre via
ele orando por todos os seus filhos e sempre que pegava seu violão entoava os
hinos da harpa cristã que ele sabia de cor o número e a letra. Ver meu pai
enfim conseguir se divorciar e casar com minha mãe após quase 30 anos, vê-los
tão feliz indo pra igreja de mãozinhas dadas e participar da comunhão que era o
sonho deles foi uma emoção infinita. Emoção que também senti quando no hospital
em seus últimos momentos o contemplei olhando o teto e percebi que ele via
além, via o céu, via Deus e via os anjos celebrando e aguardando o momento de
recolhê-lo.
Pai, você foi um exemplo de homem na minha vida.
Você foi meu amigo; Um alguém tão especial que eu nem tenho palavras pra
descrever. Se eu fosse relatar aqui todas as nossas histórias e aventuras,
daria, não apenas um livro, mas uma coleção inteira. E hoje, quando alguém
me diz: “você quase não fala do seu pai” eu penso comigo
mesma que o meu pai pra mim é sentimento, memória e lembranças boas e as
minhas lembranças eu guardo pra mim e as acesso sempre que quero e preciso. Não
preciso ficar externando para ninguém para mostrar que eu sou feliz por
ter tido você, que ainda sinto muita sua falta e que nunca vou esquece-lo. Eu
apenas sei que o amava. Meu pai, meu herói, meu amigo, meu defensor.
O homem da minha vida.
Elisabete Anacleto Pessanha
