Lembranças


Hoje inicio com uma pergunta: a quanto tempo nessa correria desenfreada que atualmente encontra-se a sociedade, você não aprecia a beleza de uma nova manhã? Cá estou eu sentada à frente de minha janela admirando um novo amanhecer e recordando as inúmeras vezes que o amanhecer mudou minha vida. Apreciar uma nova manhã tem a capacidade de renovar nossas forças e tornar especial a ideia de começar de novo, mesmo que seja uma segunda-feira.
Já perceberam que toda xícara de café - seja ele puro, com leite, cappuccino ou qualquer uma das demais misturas feita com ele - tem o sabor de renovação? Acalenta e acalma, te renova as forças, te prepara para as "lutas" diárias.
O dia hoje amanheceu lindo. Não sei se era realmente um belo dia ou se a fumaça quente do meu café formava um filtro trazendo esta bela aparência sobre ele. Fato é que a mim trouxe recordações únicas que merecem minimamente ser compartilhadas para demonstrar o quanto experiências esplêndidas podem vir dos lugares mais inesperados.
Sabe aquele dia que você tem tanta coisa pra fazer que fica na dúvida se faz ou desiste? Esse era um desses. Nos juntamos, e, como sempre, fizemos tudo o que havia de ser feito e na hora de irmos embora, esgotadas dentro do carro, lembramos que tínhamos estômago, mas já não havia lugares abertos. Quase desistimos quando nos deparamos com um posto de gasolina: "Vamos abastecer, pois a viagem de volta é longa". Neste momento vimos loja de conveniências do posto e pensamos: Vamos tomar um refri? E fomos... Mas ao adentrar no estabelecimento vimos uma máquina de café expresso e pensamos "eu tomaria", e... tomamos. Ali foi o momento CAFÉ MÁGICO DA BR MANIA. Olha que experiência boa! O cappuccino era encorpado e saboroso, o estabelecimento era limpo e silencioso, os atendentes eram simpáticos e fizeram com que nos sentissemos bem. Pedimos um pequeno croissant pra acompanhar e foi outra surpresa. Também era saboroso e acolhedor e tivemos uma ótima experiência de café num lugar improvável.
E a beleza da manhã de hoje me recordou esta história, pois me mostrou que sempre podemos esperar surpresas agradáveis de todos os lugares que estamos ou adentramos, e, também de um dia que amanhece belo, renovando em suas energias. Claro que  quando essas surpresas aparecem, a companhia faz toda a diferença. Estar em sintonia com a pessoa ao seu lado torna a experiência ainda mais relevante e as lembranças muito mais saborosas. Estar perto e "ser perto" pode não ser visto em livros de língua portuguesa mas devem ser encarados como sinônimos nas amizades. Elas iluminam nossa vida e fazem toda a diferença no nosso dia a dia. Ser amigo e ter amigos é algo especial, e perceber em uma linda manhã que você tem lembranças felizes com eles é algo mágico e especial, digno de se contar a todos e esperar que eles regozijem perante tal afirmação.
Neste dia belo valeu a pena aquele gole de café  nostálgico na janela que me trouxe a lembrança de um delicioso dia, de um delicioso café e da mais estimada amizade.
O local onde está situado o bom café que tomamos é Benfica, na zona central da cidade do Rio de Janeiro, local em que a alta aristocracia burguesa carioca viveu por muito tempo pela proximidade com o bairro imperial de São Cristóvão, e, embora hoje esteja bem abandonado, ele possui a CADEG um mercado de compras onde você encontra um ótimo café e uma torta inesquecível - sobre os quais falaremos em outro momento - comida de qualidade, ótimos produtos e o conjunto arquitetônico prefeito Mendes de Moraes que possui painéis assinados por Roberto Burle Marx e Cândido Portinari são algumas das peculiaridades do bairro. o posto BR localiza-se no número 1110 da Rua Professor Olímpio de Melo, Benfica, e está aberto diariamente pra receber aqueles que queiram provar e comprovar as delícias que eles têm a oferecer.

Lembro de uma poesia que há muito ouvi e que me marcou por muito tempo. Ela não fala de café, mas fala de amizade, o que é quase a mesma coisa:

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passa
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado. 
  
É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo. 
  
Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comove
E a disfarçar com o meu próprio engano. 

O amigo: um ser que a vida não explica 
Que só se vai ao ver outro nascer 
E o espelho de minha alma multiplica...
                      
Vinicius de Moraes.


Antigo BR Mania de Benfica. Atualmente no local funciona uma Store Conveniências

De como fui seduzida


Eu cresci em uma casa aonde todo mundo que chegava era recebido por minha mãe com um cafezinho passado no coador de pano. Eu não bebia café, mas as memórias criadas em torno dele enquanto seu cheiro exalava pelo ar, isso me seduzia. As lembranças mais marcantes são a dos vizinhos que vinham todos os dias pela manhã ou à tardinha conversar e os tios que vinham de longe uma ou duas vezes comer bolinho de chuva, claro tanto a conversa quanto o bolinho eram acompanhados de café.  E quando faltava leite com chocolate, mesmo quem não gostava como eu se rendia ao "café ralo" acompanhado de pão quentinho e manteiga. 

Fato é que, conforme eu crescia e me inseria em novos ambientes e grupos, o café se insinuava mais para mim. Na faculdade, a cada intervalo de aula em que professores e alunos se reuniam ele estava presente. No trabalho, as decisões, os intervalos e as discussões de conselho de classe também contavam com a presença dele, e, aos poucos, como acontece com todo apaixonado insistente, o cheiro que dele emanava foi me seduzindo e a paquera foi se concretizando.

Eu continuava sem beber café em casa, mas na rua nos tornamos amantes. No princípio adoçava-o bastante para driblar seu sabor amargo, mas aos poucos encontrei o equilíbrio e do nada eu me via bebericando e apreciando o líquido negro. Fosse no trabalho ou em algum encontro ou reunião, sem nenhum pudor eu sempre cedia a tentação de leva-lo a boca e bebê-lo.

Os nossos encontros furtivos se repetiram por várias vezes durante muitos anos, até que um dia ele entrou em minha casa, invadiu minha cozinha e passou a se sentar em minha mesa, a assistir TV em minha sala, a estar presente quando recebo minhas visitas. Desde então temos assumidamente um relacionamento.


Penso que deve ser assim que nasce todo grande amor, pois um bom café é como um bom poema que nunca sai da sua mente. Falando em poema, compartilho com vocês "Xícara", de FábioSexugi...





Entre amigas e cafés...


Existem momentos em que temos que redescobrir os pequenos prazeres da vida, a conversa, a poesia, a amizade, tudo umedecido por um bom café, há momentos em que nos sentimos tão completos que nada nos desestrutura e por vezes completamente vazios. São nestes momentos vazios que a amizade nos preenche, e acompanhada de um bom café, tem o dom de nos devolver as alegrias e percepções perdidas com o sofrimento. Cientes que não há facilidades na vida, nos apegamos às amizades. Quem nunca, num momento de desespero correu pra um amigo sem pedir absolutamente nada além de dez minutos sentados lado a lado em silêncio, olhando pro horizonte e bebendo um gole de um café ou chá fumegante que tinha o poder de lavar a alma como a mais forte chuva de janeiro. Falar de café é basicamente falar de amizade, de estar junto e de compartilhar da vida, dos sabores e das experiências que partilhamos ao longo desta breve jornada que chamamos de vida.

As memórias do café me vêm da mais tenra infância, na qual eu sentava pela manhã em varandas rodeadas de verde e sentia o aroma inconfundível da bebida, sequer entendia sua importância, tanto naquele momento como ao meu redor. Era eu nascida em Vassouras, à princesinha do café nos tempos áureos que construiu com muito sangue sua história cafeeira e levou seus aromas a todas as partes do Brasil, fazendo de nós dependentes do afago desta maravilhosa bebida. Vassouras a muito ficou pra trás, mas o afago aconchegante do café foi redescoberto graças à amizade descoberta e dos amores em comum, um deles: café, não necessariamente puro, não necessariamente quente, mas necessariamente amigo. Em volta de uma xícara de bebida trocamos experiências, rimos, choramos, nos aquecemos e após um dia muito cansativo descansamos as pernas numa cadeira envolta num aroma quente e doce capaz de resolver qualquer problema que o mundo nos trouxera.

Mas café além de quente deve ser saboroso e percebemos que estamos sempre atrás de um café bom, ou de um bom café, e acabamos por nos tornar apreciadoras e analistas de cada um que tomamos, de brincadeira, ou não! Mas cada vez que tomamos percebemos a forma como é feito e como os sabores se integram em cada xícara, assim nasceu esta ideia, contar pra vocês nossas experiências com café, com a vida... por onde passamos e quem sabe um dia sejamos todos amigos tomando e compartilhando as experiências através de uma doce, quente e calorosa xícara de café.

Deixo vocês a apreciar algo que nos encanta além do café a poesia, hoje aqui apresentada por mim e escrita pelo poeta Carlos Seabra, enquanto ouço Cotidiano, de Chico Buarque...

“Um beijo no pé,
Outro em tua boca,